Compromisso pela Casa Comum e pela Ética do Cuidado

Decorreu em Vilanova de Gaia, no dia 15 de junho de 2017, a sessão de debate e assinatura do Compromisso pela Casa Comum e pela Ética do Cuidado, procurando atender à questão de «Como as religiões se “re-ligam” à ecologia e ao humano».

Atentos ao mundo que nos rodeia, urge definir e fomentar uma via pragmática no que respeita ao chamado diálogo entre e com as religiões.

Dificilmente se superará o quadro das últimas décadas em que a via do mínimo denominador comum, teológico e antropológico, não deu grandes resultados, conduzindo apenas a um patamar onde imperou o “politicamente correcto”, pautado por eventos centrados em algum exotismo e na mediatização das lideranças.

Para o comum cidadão de uma sociedade laicizada, onde a secularização marca os quotidianos e a forma de ver e vivenciar o mundo, interessa alargar o diálogo entre e com as religiões ao patamar e à realidade que o preocupa, que pede o seu empenho, onde ele tem lugar de diálogo; isto é, à cidadania e às problemáticas que a toda a sociedade dizem respeito e a todos pedem resposta.

Longe do diálogo com as religiões estar votado a uma falência crescente numa sociedade laicizada, temos hoje a oportunidade de recriar laços fortíssimos nas comunidades através, não de um mínimo denominador comum, buscando o que une as teologias, mas através de algo muito mais largo e consensual, a ecologia.

O ponto de partida é a ideia de Criação, de um momento criador de toda a realidade que, dependendo das especificidades de cada movimento ou tradição, merece o empenho do respeito por parte de todos. É no olhar para o momento primeiro, para o dever de respeitar o acto criador e aquilo que dele resultou, que temos, já não o mínimo denominador comum, mas um muito largo consenso de valores que vão muito além das próprias confissões.

Podemos, mesmo, dizer que neste patamar de uma ecologia, se encontram todos os que defendem um respeito pela Casa Comum, sejam religiosos ou não. A dita morada que a todos nos acolhe é, afinal, o que nos une como cidadãos.

Acima de tudo, como membros de um ecossistema que não é apenas do verde ou do animal, mas é dos equilíbrios a que, sem a marca do religioso, podemos designar como espirituais.

A Casa Comum não é apenas as florestas ou os oceanos, não se defende simplesmente com o combate à poluição ou a defesa das espécies em vias de extinção. Não, a Casa Comum defende-se, logo em primeiro lugar, com uma Ética do Cuidado, da atenção, do respeito, não pelo outro indefeso, mas por nós mesmos, naquilo que precisamos de dignidade e de justiça enquanto equilíbrio.

Sob o impulso da autarquia de Vila Nova de Gaia, e com o enquadramento científico da área de Ciência das Religiões e do Observatório para a Liberdade Religiosa, no passado dia 15 de Junho de 2017 teve lugar um momento histórico em que um largo grupo de lideres religiosos assinaram, no âmbito do Fórum Internacional – Gaia: Todo um Mundo, o seguinte documento que, a partir de agora, passa a estar à disposição de todos os que o queiram assinar, comprometendo-se a agir mediante os valores nele expressos:

Compromisso pela Casa Comum e pela Ética do Cuidado

Sendo certo que as influências tradicionais nos moldam o olhar e consequentemente o modo como vivemos, existe uma ligação fundamental entre o que fazemos e o que isso faz ao Planeta, ou seja, à “casa que é comum” que, longe de ser uma qualquer propriedade ou recurso de quem quer que seja, é acima de tudo a condição de possibilidade de existirmos, vivermos e aprendermos a cuidar.

Assim, e dada a interdependência fundamental da Vida, vislumbra-se a necessidade de uma revolução cultural, que transforme homem – velho, desatento e pretensioso – num sujeito ecológico que entende e experiência, o ethos como “morada” global.

Carecemos de uma sabedoria da “casa comum”, onde as realidades surgem tais como são, sendo a Ecologia esse mesmo “estar”.

Além do estudo de uma rede natural de vida e da revisão do lugar do homem na natureza, precisamos de (re)encontrar o lugar da Natureza no humano.

É isto que significa “ser” humano: estar em relação e interdependência, ser no mundo e com o mundo.

Tradições religiosas diferentes abordam de forma diversa as mesmas preocupações perante alterações ambientais radicadas em práticas que contrariam os equilíbrios dos eco-sistemas.

Comprometemo-nos a tudo fazer para inverter estas práticas depredatórias, promovendo uma compreensão ecológica associada a valores éticos.

Sendo imperioso e urgente cultivarmos o sentido da sabedoria fraterna e da compaixão consciente, implicamo-nos na ultrapassagem de apegos redutores que produzem práticas egoístas.

Assumimos a vontade, perante nós mesmos e todo o colectivo, de juntar as nossas vozes para que TODOS e cada um, pessoal ou institucionalmente, cooperem pela paz radicada na compaixão por toda a vida planetária, de modo a que seja estabelecido um programa ecológico eficiente, pleno de impulso fraterno e sustentabilidade verdadeiramente integral.

Num inegável momento que marcará a nossa sociedade, assinaram este documento, presencialmente, os seguintes cidadãos que, ao mesmo tempo, se apresentam como líderes religiosos:

António Calaim
Presidente da Aliança Evangélica Portuguesa
Maria de Fátima Veiga
Comunidade Bahá’í de Portugal
Abdul Reman Manga
Presidente da Comunidade Islâmica de Porto, representando também o Colégio Islâmico de Palmela
Haroon Jamal
Comunidade Muçulmana Ismaili
Jacqueline Zibordi
Comunidade Portuguesa do Candomblé Yorùbá
Isobel Andrade
Grã Sacerdotisa, Coordenadora Nacional da Pagan Federation International
Pastor António José Carvalho
Secretário Executivo da Igreja Adventista do Sétimo Dia
Padre Mário Henrique
Pároco de Ramalde, Igreja Católica Apostólica Romana
Pastor Sifredo Teixeira
Igreja Evangélica Metodista Portuguesa
Bispo Jorge Pina Cabral
Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica de Portugal
Padre Alexander Piskunov
Igreja Ortodoxa Russa
Padre Vasyl Bundzyak
Igreja Ortodoxa, Patriarcado de Kiev
Pastor Miguel Jerónimo
Diretor Executivo da Sociedade Bíblica de Portugal

Não puderam estar presentes, mas aderiram, assinando o documento posteriormente:

Joaquim Moreira
dos Setenta d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias
Luciano Cruz
União Budista Portuguesa

Coordenador da área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona